quinta-feira, janeiro 12, 2017

O Tribunal da Quinta-feira, uma ótima reflexão sobre os tribunais nossos de cada dia

Gostei muito de ler O Tribunal da Quinta-Feira, de Michel Laub,publicado pela Companhia das Letras esse finado 2016.
Nesse romance, voltei a constatar sua maestria literária na elegância da linguagem, na construção da trama, na coerência textual ao longo do livro, características que já apareciam no excelente Diário da Queda, o único outro título que li desse autor.O tempo da narrativa  não respeita a cronologia da história, o que facilita que as informações sobre as personagens sejam reveladas aos poucos, mantendo o suspense e brincando com as expectativas do leitor.
E haverá algo mais apropriado para um livro escrito em 2016 que a metáfora de um tribunal? Num ano marcado por vazamentos de informação dos mais diversos tipos, debates sobre o uso das mídias na criação de opinião pública, dinâmica cotidianas de pressão nas redes sociais, o autor consegue, com um enredo que faz uso de todas essas experiências, nos colocar como membros de seu tribunal. Quando me dei conta, estava julgando até o autor e sua capacidade manipulativa ao produzir o romance. Uma estratégia brilhante para acabar com nossa ilusões de isentões e imparciais.
Somado a tudo isso, o Tribunal de Quinta-feira é um texto lindo sobre relações humanas, a de cada um com sua própria história, as proximidades e distâncias que criamos com amigos, amantes, colegas de trabalho, companheiros de vida, o universo das convenções e os desejos de ir além das pequenas hipocrisias. É um livro que vai fundo nas dicotomias corpo-cultura, nos lembrando que somos muito mais animalescos do que conseguimos reconhecer. Talvez seja essa uma pista de entendimento fundamental para nossos posicionamentos nos tribunais nossos de cada dia.

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quarta-feira, setembro 14, 2011

Janelas

O céu azul prometia um lindíssimo final de semana, perfeito para ir acampar nas montanhas. Era nisso que eu pensava enquanto punha as últimas coisas no carro, feliz em retomar essas viagens, agora que as crianças já estão um pouco mais crescidas.
Não havíamos chegado nem à esquina quando ouvi a vinheta dos filmes da Disney vindo do banco de trás. Meu alerta soou: já? Era pra dar tempo de ver todo o filme, explicou a minha filha, feliz com a novidade de poder assistir DVD no banco de trás. Sob protestos ela aceitou usar os fones de ouvido, sugestão do meu marido, o que gerou um certo rebuliço entre os irmãos, cabo pra lá, cabo pra cá, plug que não encaixa direito.
Mais algumas quadras e uma nova fonte de incômodo: a moça do GPS. Por que tinhamos que ficar ouvindo aquela desconhecida sugerindo que entrássemos à direita quando o nosso rotineiro caminho para a estrada contradizia essa instrução? Para quê aquele GPS àquela hora? Tive de aceitar que talvez precisassemos de seus serviços para localizar o ponto de encontro com os amigos. Como isso nos tomaria pelo menos uma hora e meia, insisti para zerar o volume daquela geringonça, afinal quando precisássemos daqueles conselhos poderíamos tirar o "mute". E pus pra tocar, feliz, um CD de música.
Na parada, uma nova surpresa. Volto do banheiro e vejos as crianças aboletadas ao redor da mesa, jogando Angry Birds no IPad trazido por um de nossos amigos. Falei da minha estranheza sobre essa invasão de novos personagens nas nossas viagens, os adereços eletrônicos com filmes, games e quetais. É uma tendência inevitável, justificou o dono do IPad, achando meio passadista o meu incômodo com essas novidades.
O final de semana estava lindo, as seis barracas foram confortavelmente montadas num lugar com uma vista incrível, a criançada se esbaldou juntando gravetos para a fogueirinha da noite, o por do sol na Pedra do Baú foi absolutamente deslumbrante. Meus incomôdos com os eletrônicos ficaram por aí, mas não os do meu amigo do IPad, que virou mexeu estava às turras com o filho, para que ele guardasse o Nintendo DS.

As férias chegaram algumas semanas depois, e dessa vez estavamos a caminho do litoral, para uma temporada de praia na casa dos avós. O DVD e o GPS providencialmente ficaram esquecidos em São Paulo. Lá pelas tantas minha filha se lamentou: "Mãe, não tenho nada pra fazer..." Respondi com toda a convicção de viajante de muitas décadas: "Olha pela janela, filha".
Quantas viagens são possíveis quando a gente aprende a simplesmente olhar pela janela desprogramada do vidro do carro!

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segunda-feira, dezembro 28, 2009

Não contem a ninguém

Fim de ano é época de mensagem bonita, de tom poético, incentivo à tolerância e votos em nome da fraternidade universal. Juro que vou tentar escrever uma mensagem assim nos próximos dias, mas antes que o ano termine preciso contar algumas coisas.
Vocês que me lêem vão prometer não contar a ninguém, claro, pois o mar anda perigoso para quem reclama da vida, em especial na internet.
As novidades permeiam a minha curta jornada de merecido descanso. Está tudo ótimo, estou aqui feliz com a família, todos com saúde e em santa paz.
Devo ser mais uma pessoa comum, entre as milhares de pessoas que tiraram uma folguinha nesse fim de ano. E portanto, mais uma entre as milhares que começa seu descanso indignada com a temporada de “caça ao dinheiro do turista”, que parece ser uma rotina compreensível na vida do setor da economia que se ocupa desses seres tão previsíveis – os cidadãos que querem sair uns dias de sua rotina e – se possível - descansar em uma outra paragem.
O inusitado começa na primeira parada da viagem – não mencionarei nomes de nenhuma cadeia de lanchonetes na estrada para o litoral norte de S.Paulo, para não correr o risco de ofender alguém. Doze reais por pão com linguiça? Quando a gente se dá conta, já está no caixa, e aí, meu amigo, foi-se a hora de reclamar...
Também não vou comentar os 20% de aumento na batata frita da praia entre os dias 24 e 25 de dezembro... talvez seja época de acertar as perdas do ano... afinal, quem está viajando deve ser porque algum ganhou, não é mesmo? Então qual é o espanto se a porção agora custar o equivalente a três quilos de batata?
Não seja eu leviana, também, em levantar suspeitas sobre a qualidade de um protetor solar que resolvi experimentar – era mais perfumado... Não quero citar nomes, essa poderosa senhora dos cosméticos internacionais pode se sentir injustiçada. Mas a vermelhidão nas minhas costas não está me deixando esquecer do assunto.
Por último, também nada a declarar sobre o susto que meu marido tomou hoje quando olhou para a garrafa de água mineral de uma importante marca de bebidas – cervejas, sucos, etc – que não ousarei informar o nome, já que não quero comprometer sua nobre atuação no patrocínio de eventos culturais na região. O nível de Nitratos registrado no rótulo estava em 12 – e ele, que trabalha com temas relacionados a meio ambiente –nunca nos deixa tomar água mineral se o nitrato estiver igual ou maior que 5. É um indicador claro de atividade humana na fonte, ou seja, poluição braba.
Será que ao querer descanso a gente fica com os olhos mais sensíveis a essas coisinhas à toa? Será que a naturalidade com que vivenciamos esses pequenos detalhes não é altamente nociva à saúde de um país?
Não, por favor, não contem a ninguém. Afinal quem precisa ouvir essas coisas nessa época do ano? Vai que um profissional da defesa dos direitos à reputação ilibada das pessoas jurídicas sinta-se compelido a sair de seu descanso e tenha que atender um cliente ofendido por uma turista linguaruda... Fica só entre nós.

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