sábado, fevereiro 09, 2008

O homem além da memória

Lendo o neurologista Oliver Sacks, encontro em seu texto "O Marinheiro Perdido":

"Que tipo de vida, se tanto, que tipo de mundo, que tipo de eu podem ser preservados em um homem que perdeu a maior parte de sua memória e, com ela, seu passado e seu ancoradouro no tempo?"
E assim começa a descrição do caso de seu paciente Jimmie, que tinha suas referências de vida congeladas num passado de três décadas atrás, e era incapaz de construir novas referências, de lembrar-se de algo que se passou minutos antes. Ele segue narrando, após uma sessão com Jimmie:
"Eu, de minha parte, estava dilacerado pela emoção - era confrangedor,era absurdo, era imensamento desconcertante pensar naquela vida no limbo, dissolvendo-se.
'Ele está, por assim dizer, isolado em um único momento da existência, com um fosso ou lacuna de esquecimento em toda a sua volta. [...] É um homem sem passado (ou futuro), preso em um momento que não tem sentido e muda constantemente'.(...)
Ele continua sobre suas reflexões de como auxiliá-lo:
'É só conectar' - mas como poderia estabelecer uma conexão, e como nós poderíamos ajudar nisso? Hume escreveu: "posso arriscar-me a afirmar que não passamos de um feixe ou coleção de diferentes sensações que sucedem perpetuamente umas às outras com uma rapidez inconcebível e se encontram em perpétuo fluxo e movimento". Em certo sentido,Jimmie fora reduzido a um ser hummeano (...) uma horrível redução de um homem a meros fluxo e mudança desconexos, incoerentes'.
Sacks escreve então a Luria, em busca de alguma inspiração sobre como tratá-lo. Recebe essa resposta:
"Faça o que sua perspicácia e seu coração sugerirem. Há pouca ou nenhuma esperança de recuperar sua memória. Mas um homem não consiste apenas em memória. Ele tem sentimento, vontade, sensibilidades, existência moral - aspectos sobre os quais a neuropsicologia não pode pronunciar-se. E e ali, além da esfera de uma psicologia impessoal, que você poderá encontrar modos de atingi-lo e mudá-lo. (...) Em termos neuropsicológicos, há pouco ou nada que você possa fazer;mas no que respeita o indivíduo, talvez você possa fazer muito".

O texto está em "O homem que confundiu sua mulher com um chapéu, cap.2.

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