quarta-feira, julho 08, 2020

Complô contra a América, soa familiar?

  Complô contra a América, obra de de Philip Roth de 2004, voltou com tudo, recebendo um reconhecimento talvez ainda mais intenso do que em seu momento de publicação.  Merecido!
Recentemente, a obra foi lançada como série da HBO, como aliás foi bem registrado no artigo Complôs contra a liberdade. espero que mantenha seu vigor.
É pela voz de Phil, um menino de 9 anos, na Nova Jersey do final da década de 30 e início dos anos 40, que acompanhamos a trajetória de uma família de judeus norte-americanos que se vê diante da perspectiva da ascensão de um simpatizante do nazismo na presidência dos Estados Unidos.
  A distopia é refinadamente construída. Fazendo uso do contexto pessoal de sua infância, inclusive dos nomes de seus familiares, Roth mescla, no pano de fundo, um xadrez de figuras históricas conhecidas, como o admirado presidente Roosevelt, o prefeito de Nova York, La Guardia, o industrial e conhecido antissemita Henry Ford, entre outros, com uma fantasiosa eleição do aviador Charles Lindenbergh. A nota biográfica de Lindenbergh aponta para uma relação estreita de simpatia com a Alemanha e seus projetos para a Europa sob a liderança de Hitler. A tênue identificação com o nazismo é utilizada para a construção de um debate político que traz como tema central o envolvimento ou não dos EUA na Segunda Guerra Mundial, semeando a discórdia entre grupos anteriormente mais coesos e acusações de paranoia e de mentalidade de gueto. 
   Pelos olhos do menino acompanhamos a inquietação do pai, a incredulidade diante da ascensão de lideranças absolutamente desdenhosas dos chamados valores americanos. Ouvimos sobre rabinos e ativistas comunitários que colocam-se à serviço dos vitoriosos, recusando-se à identificar os traços  fascistas de seus estratagemas. Fomenta-se a discórdia entre as famílias, que começam na discussão à mesa de jantar e chegam à costelas e dentes quebrados. O medo e a falta de perspectivas passam a integrar o repertório daquelas pessoas que até pouco tempo antes viviam uma rotina clássica de uma família judia de classe média. Na perspectiva da criança, misturam-se os temores das situações concretas e as fantasias fantasmagóricas, a ingenuidade e a inconsequência e as ações solidárias independente de seu preço, os sofrimentos aparentemente banais e os dolorosos momentos de lucidez.
    Roth antecipa alguns dos mecanismos mais desgastantes da vivência social e política de nossos tempos, e nos provoca a discutir as ilusões de coesão coletiva nas leituras históricas. 
    Soa familiar?


  

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