segunda-feira, maio 25, 2009

A disseminação da sociedade da vigilância

Nessa entrevista com o geógrafo norte-americano Jerome Dobson, leio boas reflexões sobre a tendência "vigilantista" que vai se disseminando ainda mais junto com os equipamentos eletrônicos que facilitam essa tendência. Boa para ajudar na reflexão sobre os avanços da limitação a nossa liberdade de existir e perâmbular incognitos.

Aliás, soube hoje, por esse comentário do Eduardo Ribeiro Augusto ao post do Jaime Balbino num blog do SENAED 2009, sobre Direitos Autorais e EAD, que "o artigo 46, inciso I (da Lei de Direitos Autorais 9610/98) visando a propagação da informação, faculta a reprodução na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos".
Transcrevo aqui então a entrevista feita por Rafael Garcia, publicada na Folha de São Paulo, no dia 24/05/2009.


Big Brother no varejo

Opressão de "1984" é praticada hoje por indivíduos, não pelo Estado, diz geógrafo Jerome Dobson

RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

O pesadelo imaginado por George Orwel no romance "1984" está se tornando realidade, afirma um dos geógrafos mais reconhecidos dos EUA. No clássico da ficção científica, o ditador Big Brother (grande irmão) exercia controle sobre os cidadãos rastreando-os com câmeras e telas. Isso acontece agora com cada vez mais frequência, mas na vida real não é obra de um tirano autoritário, afirma Jerome Dobson, presidente da Sociedade Geográfica Americana. "O problema agora são os "Little Brothers" (pequenos irmãos)", diz o cientista.
Criador do termo "geoescravidão", Dobson diz que o controle sobre a vida de indivíduos está acontecendo mais no varejo do que no atacado, e o grande culpado é o barateamento dos rastreadores com sistema de localização por satélite, o GPS.
Qualquer um disposto a pagar US$ 40 por mês pode rastrear uma pessoa 24 horas por dia, e, segundo ele, isso trará mudanças sociais profundas, alterando relações entre pais e filhos, maridos e esposas, patrões e empregados. Em entrevista à Folha por telefone, o pesquisador da Universidade do Kansas explica por que acredita que essa nova tecnologia precisa ter um controle de uso mais rígido.



FOLHA - O historiador Francis Fukuyama defende a ideia de que Orwel disseminou um medo errado em "1984" pois, quando a tecnologia da informação finalmente ganhou corpo com a internet e os celulares, ela trouxe liberdade para os indivíduos, não opressão. O GPS e os rastreadores, agora, são o contrário?
JEROME DOBSON - Há grande diferença entre o Big Brother de George Orwel e aquilo que está acontecendo hoje. Primeiro, o perigo do qual eu falo não é necessariamente hierárquico, imposto pelo governo aos indivíduos. O que estou dizendo é que há muito mais "Little Brothers" mundo afora. A habilidade de uma pessoa vigiar outra não é hierárquica, e abre caminho para vários tipos de relações de poder em que maridos controlam esposas, patrões controlam empregados etc.
O que acontece é que isso é uma forma de vigilância muito muito mais propensa a ser aceita do que propostas anteriores, como o Big Brother. Ela é uma forma muito mais eficiente e apresenta uma ameaça não só à privacidade, mas à liberdade pessoal. É a maior ameaça já experimentada pelos humanos às liberdades individuais.

FOLHA - Que exemplos desse tipo de abuso podem ser mencionados?
DOBSON - Veja o caso de Stacy Peterson, que a imprensa de Illinois [EUA] noticiou. É uma mulher que está desaparecida e seu marido, um policial, alega que ela simplesmente tinha ido embora. Mas descobriram que ele estava usando coordenadas do telefone celular dela para rastreá-la. E ela tinha ficado muito incomodada com isso.
Os amigos disseram que ela tentou se livrar daquele controle, mudando de telefone. Mas ele conseguia sempre usar os números para rastreá-la. O advogado do policial foi questionado num programa de TV e justificou o comportamento de seu cliente dizendo: "Bom, todos os policiais na delegacia estavam fazendo isso". Então, a tecnologia já está aí, em certo sentido. Certamente é uma ferramenta boa contra o crime, mas as pessoas honestas em atividades honestas também estão sob risco de serem observadas e controladas.

FOLHA - O sr. acha que já é hora de criar leis que impeçam a ocorrência de casos como o de Peterson?
DOBSON - Sim. Deveria haver legislação sobre isso. Há muitos casos em que o que está sendo analisado são os requisitos para as autoridades. Um departamento de polícia deve ou não precisar de um mandado para fazer isso? Alguns Estados fazem de um jeito, outros fazem de outro. Isso ainda está sendo aperfeiçoado no sistema legal.

FOLHA - Alguém que não é policial tem acesso a isso hoje? O sr. escreveu em um artigo que é possível monitorar uma pessoa 24 horas por dia pagando US$ 500 anuais.
DOBSON - Esses US$ 500 são o que você paga a um serviço simples. Você entra na internet e consegue achar esses produtos à venda. As taxas que cobram por um chamado Wherify Wireless [vendido como "rastreador de crianças"] são mais ou menos as da assinatura de um telefone celular. Provavelmente você terá de pagar US$ 200 por um aparelho básico, mais a taxa mensal de uns US$ 20.

FOLHA - O sr. diz que um uso benéfico dessa tecnologia é a capacidade de rastrear condenados pela justiça, em vez de prendê-los. Já há muitas experiências com isso?
DOBSON - É usado rotineiramente. O caso mais famoso é o de Martha Stewart, apresentadora de TV. Ela cometeu irregularidades em negociações de sua empresa e foi colocada sob prisão domiciliar. Tinha de usar, então, uma tornozeleira eletrônica com o rastreador.
Algo que tem de ser esclarecido é que quando juízes põem alguém sob esse tipo de confinamento, costumam chamar isso de encarceramento, com o mesmo significado da prisão em uma cela, no sentido jurídico. É uma prisão de extensão maior, mas não é liberdade.

FOLHA - O rastreamento deve ser sempre legal, quando consentido? Um patrão não pode coagir seus funcionários a portar rastreadores?
DOBSON - As pessoas devem negociar para decidir o que é válido para elas. Alguém pode se ver obrigado a usar isso se a alternativa for a demissão. Mas as pessoas se candidatariam a um emprego sabendo disso?
William Herbert, jurista especialista no aspecto legal do rastreamento, fez carreira no sindicalismo e desenvolveu argumentos para defender que isso não seja permitido. Mas eu tenho uma abordagem diferente. Acho que é uma questão que deve ser submetida a uma decisão pensada, tomada pelos próprios trabalhadores. Por exemplo, se um sindicato está negociando um contrato para seus afiliados, será que isso poderia ser posto na mesa como moeda de troca, assim como se faz com salários, jornadas, férias e benefícios de saúde? É algo que tem sido pouco debatido, mas acho que os sindicatos alguma hora vão reconhecer que isso é um custo para eles. Se as empresas acreditam que isso vai torná-las mais eficientes, então elas deveriam estar dispostas a pagar por isso.
Pessoalmente, eu não aceitaria um emprego assim. Insisto muito na minha independência de ação e nunca aceitaria ter de ficar relatando a alguém onde estou e o que estou fazendo, mesmo sem estar fazendo nada errado. Não quero pessoas bisbilhotando minhas coisas e sabendo onde estou. É uma questão de princípios para mim.

FOLHA - O sr. acha que os atentados terroristas de 2001 contribuíram para essa paranoia vigilante?
DOBSON - Sim. Temporariamente, eles alimentaram a tendência das pessoas a aceitar mais restrições. Mas tivemos uma eleição depois disso, e há indícios claros de que as pessoas estão preparadas para retornar aos seus princípios.

FOLHA - Como o sr. começou a se interessar por esse problema?
DOBSON - Estou nesse campo desde 1975. Trabalhei no Laboratório Nacional de Oakridge por 26 anos antes de vir para a Universidade do Kansas. Foi quando eu estava lá que essa nova capacidade de rastreamento se tornou uma questão importante. Na época, um empresário do setor privado foi ao laboratório e me pediu para ajudá-lo a construir um desses sistemas [de vigilância de empregados], mas eu me recusei.

Etiquetas: , , ,

segunda-feira, maio 18, 2009

Sobrevivendo ao trânsito em São Paulo

Quem vive aqui em São Paulo e precisa se deslocar pela cidade nunca escapa da básica preocupação com a situação do trânsito na região para onde se dirige. Pensar no tempo de deslocamento sempre nos coloca a questão do como estarão as vias de acesso naquele momento, pois a famosa "hora do rush", em São Paulo, há muito tempo perdeu seu contorno delimitado.
Assim, se tornou para mim corriqueiro antes de sair de casa acessar a página da CET e olhar o mapa do trânsito naquele momento (juro que ao acessar agora, às 22h03, havia faixas vermelhas em três diferentes pontos...) e a partir daí decidir o meu trajeto. Sei que já escapei de bons aborrecimentos com essa medida.
Outra iniciativa importante, desde fevereiro de 2007, é a Rádio Sulamérica Trânsito, dedicada especialmente a cobrir a situação do tráfego na cidade. O serviço da rádio se apóia nas informações da CET, das concessionárias das rodovias, de repórteres que circulam pela cidade e, com grande força, pelas informações que recebem, via celular, das pessoas que estão no trânsito. A idéia é óbvia e muito bem aproveitada, pois multiplica-se aos milhares as pontenciais fontes de informação, espalhadas por essa cidade gigantesca. Recentente, vi que a rádio agregou à sua prática o uso de mensagens de voz dos próprios ouvintes, o que facilita um pouco o trabalho, tanto de quem não precisa digitar um SMS ou falar com um atendente quanto dos próprios produtores do programa, que suprimem ao menos uma etapa dessa cadeia da informação.
Agora, o que ainda não entendo é por que um serviço como esse, essencial, ainda se dá a liberdade de fazer com que nós, os informantes, paguemos a ligação ou o torpedo. Quer dizer, entendo sim: se todo mundo paga e não reclama, então vira fato consumado. Entendo, mas não me conformo.
Tanto a empresa patrocinadora do programa, quanto as empresas de telefonia, poderiam perfeitamente bancar essa conta, num estilo 0800, e ficariam muito melhor na fita. Isso sem contar a prefeitura da cidade e o governo do Estado, que não se dão conta que abraçar um serviço como esse, dispondo das rádios públicas e da própria CET, seria um projeto que daria bons retornos em termos de popularidade para as gestões envolvidas. Uma idéia - de grátis - para os assessores políticos que por acaso venham a ler esse post.

Etiquetas: , ,

terça-feira, maio 12, 2009

Por que pratico o Copyfight

Já está na Rede, traduzido para o português, o artigo "Por que pratico o Copyfight", de Cory Doctorow, escritor e articulista de vários jornais e portais. Doctorow é uma das vozes mais atuantes na reflexão sobre o sentido do conceito "direitos autorais" - ou Copyright - nessa época em que a digitalização dos suportes da cultura facilita tremendamente sua replicação e circulação a custos irrelevantes.
O texto me impressionou por sua lucidez. Ele recupera a história do surgimento das tensões ao redor do controle da reprodução de produtos protegidos por copyright, a partir da popularização de tecnologias que facilitam a duplicação e circulação de músicas, textos e imagens. Coisas que vivemos nos anos 70 e 80 aqui no Brasil, época do gravador e da fita-cassete, das máquinas de xerox, do vídeo-cassete. Época em que gravar uma fita de presente para um amigo com suas músicas favoritas, copiadas de vários discos, não era uma atitude suspeita.
Doctorow faz uma associação perfeita entre a forma natural como retomamos e reutilizamos poemas, canções, histórias, trechos de filme, e a dinâmica da cultura que, antes de ser mercado, é uma prática social por meio da qual regulamos nossos sonhos, nossos limites, discutimos nosso passado, contamos a nós mesmos e ao mundo quem somos e quem gostaríamos de ser. Proibir o uso dos versos que constituem nossas memórias e nossos sentimentos, a citação às músicas que marcaram nossa vida, é como proibir o uso pelas nossas células dos nutrientes que consumimos nos alimentos. Ou seja, é pedir o impossível.
A cobrança pelo direito ao uso, à citação, à readaptação e à distribuição dos produtos culturais precisa ser repensada com um olhar atento ao mundo de hoje. Aliás, outro artigo essencial nesse momento foi escrito por Clay Shirky, "Jornais ou pensando o impensável". Ele fala sobre as diferentes posturas de profissionais relacionados ao mundo dos negócios na era da cultura imaterial, nesse período de transformação.
Não é à toa que as traduções dos dois artigos encontram-se no mesmo endereço: eles foram traduzidos em "mutirão", por pessoas ligadas nesse debate e que se sentem à vontade para ler e traduzir do inglês. A iniciativa é do projeto "Adote um parágrafo", capitaneado pelo Juliano Spyers, com a louvável intenção de ampliar o acesso a textos que nos parecem fundamentais para a compreensão dessas questões, eliminando a barreira da língua.
Participar do projeto, traduzindo alguns parágrafos e estando próxima a outras pessoas que, como eu, apostam em outros modelos de licenciamento para produtos culturais, é parte da minha contribuição pelo copyfight.

Etiquetas: , ,

Get Free Shots from Snap.com/html>