quarta-feira, setembro 14, 2011

Janelas

O céu azul prometia um lindíssimo final de semana, perfeito para ir acampar nas montanhas. Era nisso que eu pensava enquanto punha as últimas coisas no carro, feliz em retomar essas viagens, agora que as crianças já estão um pouco mais crescidas.
Não havíamos chegado nem à esquina quando ouvi a vinheta dos filmes da Disney vindo do banco de trás. Meu alerta soou: já? Era pra dar tempo de ver todo o filme, explicou a minha filha, feliz com a novidade de poder assistir DVD no banco de trás. Sob protestos ela aceitou usar os fones de ouvido, sugestão do meu marido, o que gerou um certo rebuliço entre os irmãos, cabo pra lá, cabo pra cá, plug que não encaixa direito.
Mais algumas quadras e uma nova fonte de incômodo: a moça do GPS. Por que tinhamos que ficar ouvindo aquela desconhecida sugerindo que entrássemos à direita quando o nosso rotineiro caminho para a estrada contradizia essa instrução? Para quê aquele GPS àquela hora? Tive de aceitar que talvez precisassemos de seus serviços para localizar o ponto de encontro com os amigos. Como isso nos tomaria pelo menos uma hora e meia, insisti para zerar o volume daquela geringonça, afinal quando precisássemos daqueles conselhos poderíamos tirar o "mute". E pus pra tocar, feliz, um CD de música.
Na parada, uma nova surpresa. Volto do banheiro e vejos as crianças aboletadas ao redor da mesa, jogando Angry Birds no IPad trazido por um de nossos amigos. Falei da minha estranheza sobre essa invasão de novos personagens nas nossas viagens, os adereços eletrônicos com filmes, games e quetais. É uma tendência inevitável, justificou o dono do IPad, achando meio passadista o meu incômodo com essas novidades.
O final de semana estava lindo, as seis barracas foram confortavelmente montadas num lugar com uma vista incrível, a criançada se esbaldou juntando gravetos para a fogueirinha da noite, o por do sol na Pedra do Baú foi absolutamente deslumbrante. Meus incomôdos com os eletrônicos ficaram por aí, mas não os do meu amigo do IPad, que virou mexeu estava às turras com o filho, para que ele guardasse o Nintendo DS.

As férias chegaram algumas semanas depois, e dessa vez estavamos a caminho do litoral, para uma temporada de praia na casa dos avós. O DVD e o GPS providencialmente ficaram esquecidos em São Paulo. Lá pelas tantas minha filha se lamentou: "Mãe, não tenho nada pra fazer..." Respondi com toda a convicção de viajante de muitas décadas: "Olha pela janela, filha".
Quantas viagens são possíveis quando a gente aprende a simplesmente olhar pela janela desprogramada do vidro do carro!

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domingo, setembro 04, 2011

A título de registro: a demolição nossa de cada dia

Ando impressionada, nas últimas semanas, com a quantidade de demolições de casas antigas que tenho encontrado em meus caminhos, em bairros da zona oeste da cidade de São Paulo.
Algumas, como essa, em quarterões que predominam ainda as casas.


Talvez o destino desse espaço seja mesmo novas casas, renovadas em seu estilo, com seu encanamento modernizado e as instalações elétricas à altura das demandas contemporâneas de consumo.
Em outros casos, onde convivem há muito casas e prédios,o cartaz já anuncia a oferta de apartamentos de dois dormitórios, fazendo jus ao aquecimento perene do mercado imobiliário na cidade.


Dificilmente as incorporadoras, que estão investindo suas fichas nesse veloz bota-abaixo que tomou conta da cidade, considerariam a hipótese de acompanhar os padrões simpáticos, mas comercialmente menos convidativos, que caracterizam o outro lado dessa mesma via:

O que isso tudo significa em termos de impacto para o bairro? Número de automóveis, trânsito, demanda de infra-estrutura de energia, água e esgoto? Essas são questões secundárias nas mesas em que se definem o volume de licenças para novos empreendimentos imobiliários.

Pouco poderia se esperar, então, de alguma preocupação, sequer, com a memória arquitetônica da cidade. A cada aperto que sinto ao passar pelas demolições me pergunto quantas outras pessoas compartilham desse sentimento, e quantas simplesmente o veriam como um saudosismo estéril, um pedra no caminho do pragmatismo de uma cidade em que a ocupação de cada metro é fruto disputas acirradas.

Não sobrará lugar, nessa concorrência implacável, para o casario que remanesce em esquinas como essa, da qual teremos registro apenas nas memórias pessoais, nas fotos dos jornais ou de particulares ou nos murais eletrônicos de pessoas que se sentiram compelidas a parar e fotografar, antes que essa esquina seja coberta pelos tapumes de uma nova demolição.

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