Sobre livros impressos e digitais - primeiras anotações
Os leitores de livros digitais estão a cada dia
mais presentes ao nosso redor, mais além dos mostradores das lojas, começando a
ocupar um pouco mais de visibilidade por aí. Ainda são pouco presentes nas
escolas, e acredito que sua adoção demandará muita reflexão sobre as
semelhanças e diferenças nas práticas de leitura e estudo.
Foi a urgência de começar a ler um livro
que me levou às primeiras experiências com esses equipamentos e o tipo de
leitura que eles proporcionam. Inicialmente, num Kindle emprestado do meu irmão,
no qual comecei a ler o PDF de "Versos Satânicos", até que tivesse
acesso ao livro impresso. Minha edição, em livro de bolso, era grossa e pesada.
Fui lendo nas duas versões. No papel, tinha os benefícios da edição, a
paginação exata, os espaços de paragrafação bem marcados. No digital, um livro
mais leve, que me poupava os braços e me oferecia facilidade de levar para
qualquer lugar. Foi uma experiência bacana, ainda que o PDF não seja um formato
especialmente pensado para esses leitores, o que limita bastante o uso de suas
funções.
Quando apareceu a segunda urgência, no ano
passado, eu já possuia um Kobo, opção feita pelo fato dele dar acesso, naquele
momento, à aquisição de uma lista muito mais ampla de títulos em português. Surgiu
na escola a sugestão de discutir com meus alunos alguns capítulos do
"1889", do Laurentino Gomes. A ideia veio da Ana Bergamin, coordenadora do Ensino
Médio, amiga querida e colega professora de história. Diante do prazo curto
para tomar essa decisão, comprei a versão em e-book para dar uma olhada, já que
demoraria uns três dias até conseguir ir até uma livraria.
O estranhamento surgiu aí, nessa primeira
situação em que precisei olhar para o livro digital do ponto de vista de um uso
profissional. Minha necessidade imediata era sentir o livro, isso é, ter
clareza de sua estrutura, a sequência dos capítulos, o tamanho de cada um
deles, ler alguns trechos aletórios que me chamassem a atenção ao folhear.
Poderia, assim, decidir se era uma indicação que caberia no meu curso, fosse
pela adequação da abordagem, pela acessibilidade da linguagem, pelo tamanho dos
capítulos.
Mas como se folheia um livro digital? Pude
analisar o índice, avaliar os títulos dos capítulos, mas isso não substitui o
conhecimento que podemos ter de uma leitura diagonal das páginas, batendo os
olhos num trecho e em outro, o que proporciona ao leitor experiente a clareza
do caminho da narrativa do autor. Como medir o tamanho dos capítulos, numa
paginação variável, que depende da configuração do tamanho das letras? Numa
organização visual que não acompanha a edição impressa?
Como eu conseguiria usar o mesmo livro com os
alunos, negociando trechos de leitura, discutindo partes específicas, tendo um
e-book e eles a edição em papel? Postas essas questões, decidi que eu
precisaria ter também a edição em papel. E lá fui à livraria com dois
objetivos: atestar se estava mesmo tomando uma decisão acertada e em busca de garantir
ter em mãos o mesmo objeto mediador da
leitura que meus alunos teriam.
Ao trabalhar em sala com os
alunos, percebi algumas coisas interessantes. Na primeira aula em que
discutimos um capítulo específico eu só tinha comigo o livro em papel. Num momento
da conversa, em que discutíamos a exigência de indenizações pelos proprietários
de escravos na época da Abolição, lembrei que o autor mencionava quanto isso
custaria ao Império do Brasil. Eu já tinha lido outras partes do livro, e os
alunos não se lembravam de ter visto essa informação. Alguns tentaram localizar
essa passagem, sem sucesso. Só consegui resolver o mistério ao chegar em casa e
dar uma “buscar” na ferramenta de pesquisa do meu e-book.
Na aula seguinte levei o e-book. Alguns alunos
ficaram curiosos em conhecer como funcionava, pediram para manusear. Houve novamente
um momento na discussão em que surgiu uma dúvida temática, e pude solicitar a
uma aluna que desse um “search” no meu
e-book. Rapidamente encontramos o que precisávamos.
Nesse ano, decidimos manter e até ampliar a
leitura desse livro. Na lista da escola, a edição que aparece é a impressa. Só
usaremos o livro no segundo semestre, mas já tive um aluno que me perguntou se
poderá “ler no tablet”, já que seu pai possui esse livro em formato eletrônico.
Respondi de bate- pronto que sim – desde que leiam, para mim tanto faz. Talvez seja o caso, até
lá, de esboçar uma proposta de exercício que nos ajude a entender melhor as
diferenças no processo de leitura, anotações, uso do texto e recuperação das
informações entre o uso da edição impressa e da edição a eletrônica.