domingo, julho 05, 2009

Crises que renovam, crises que paralisam

Nada como um dia após o outro, como uma leitura após a outra, como um comentário após o outro para digerirmos um discurso que incomodou, mas que não temos claro exatamente por que e o que diriamos se fossemos refutá-lo.
O debate sobre a Universidade no Brasil e no mundo hoje tem sido intenso, sobre seu papel, seus objetivos, sua relação com as demandas da sociedade, sua respostas às expectativas do mercado, do Estado, os limites de sua autonomia.Debater é um exercício fundamental, principalmente quando isso é marcado pela reflexão e pela crítica, como lembrava Marilena Chauí naquele denso ato em repúdio à ação policial na USP. Não bastam palavras de ordens esvaziadas, lembrava Chauí. O debate servirá se nos ajudar a compreender e a propor posicionamentos e novos caminhos.
Li e gostei muito do artigo do professor Naomar de Almeida Filho, reitor da Universidade da Bahia, publicado nesse domingo na Folha de S. Paulo, de nome "Cinco teses sobre a crise...".
De forma abreviada e muito didática, ele apresenta o olhar crítico de Bourdieu, apontando a Universidade como dispositivo do Estado para a reprodução social; o enlevo de Anísio Teixeira com o potencial transformador da educação compromissada com a emancipação política e equidade social; a sagacidade de Boaventura Santos, que evoca a urgência de um olhar aberto à diversidade e ao dinamismo do conhecimento e questiona o teor da educação a ser promovida com o compromisso formação crítica e engajamento na transformação social; e o desafio de Milton Santos, que acreditava que cabia à Universidade ousar, ainda que os caminhos fossem incertos, apostando que o risco é um dos ingredientes que compõem a fórmula de tudo que é novo. Naomar completa propondo uma quinta abordagem, necessária nesse momento em que "já não basta recuperar tradições vazias e celebrar pactos micropolíticos". Ele fala de uma Universidade que reconheça seu papel de "provocar crises de transformação e renovação", em busca de uma Universidade que possa realmente oferecer a sociedade frutos genuínos de sua força criativa.
A lucidez e positividade do reitor da UFBA me ajudaram a entender o meu incômodo com o artigo "O mal-estar na Universidade" da professora Olgária Matos, publicado pela Agência Carta Maior, em 25/06. Não há dúvidas que estou de acordo com várias de suas afirmações, relacionadas ao encurtamento do espaço do diálogo e do fortalecimento de uma voz de comando que faz uso do discurso da ordem e da lei para suprimir qualquer debate que questione o viés da Universidade que atenda ao paradigma de eficiência (do mercado). Tampouco questiono suas preocupações com a proletarização dos docentes, a cada dia mais pressionados por um cotidiano profissional que envolve os cursos e o atendimento a um número expressivo de alunos, orientações de iniciação científica, mestrado e doutorado, participação em bancas, participação em comissões, projetos temáticos variados, participação em Congressos, recepção de professores do exterior, produção e publicação de artigos científicos. Isso sem falar nas provas e trabalhos a serem lidos, corrigidos e comentados, além dos trabalhos de conclusão de curso, a cada dia mais frequentes.
O texto me incomoda pelo tom. Olgária fala de um "ócio necessário" à "produção acadêmica", mas não se trata de ócio e sim de tempo. Tempo é necessário, pois não há pesquisa sem leitura, não há reflexão nem texto sem maturação de idéias. Há no texto uma nostalgia de um intelectual que se esvai em nossa cultura, e a sensação que fica é a do desejo de uma situação congelada, um reviver da época em que estavam dadas as condições "quase" ideais para a pesquisa e a produção, um tempo que já se foi. O combate à educação a distância, da mesma forma, apóia-se, a meu ver, em palavras-chave, como massificação e "fim dos valores da convivência, da sociabilidade e da felicidade do conhecimento", que agregam muito pouco a qualquer reflexão sobre ousadias possíveis e práticas desafiadoras no contexto de um mundo que estamos vendo mudar.
Fico com Naomar, com as crises que renovam, mais do que com Olgária e as crises que paralisam.

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sábado, outubro 04, 2008

UNIVESP - Educação online chegando às universidades públicas de São Paulo

A Folha de S. Paulo veiculou ontem uma reportagem sobre os programas de graduação à distância que estão sendo lançados pela UNIVESP (Universidade Virtual do Estado de São Paulo) - consórcio entre as três universidades do estado de São Paulo. Fala-se em 6.600 vagas já em 2009, sendo 5.000 para pedagogia e outras 1.600 para licenciaturas na área de ciências. Lidera esse projeto o professor Carlos Vogt, secretário de Ensino Superior, que já foi reitor da Unicamp e presidente da FAPESP, além de coordenador do Labjor, que produz a excelente revista ComCiência. O projeto da UNIVESP envolve diretamente a Fundação Padre Anchieta, para a produção de mídia adequada à proposta dos cursos.
Achei curioso que a Folha procurou professores da Universidade (especificamente da USP) para ouvir sua opinião sobre os problemas da proposta (despersonalização das relações, esvaziamento da qualidade dado o grande número de alunos, busca de baratear os custos do ensino superior apostando num modelo massificado). Por outro lado, para ouvir vozes de apoio ao projeto, não foram consultar ninguém da USP. Será que os jornalistas não conseguiram identificar nenhum professor pró-EAD na USP?
Como meu vínculo na pós é no LAPEQ, da Faculdade de Educação, acompanho há pelos menos qautro anos o trabalho do meu orientador, prof. Marcelo Giordan e de sua equipe, que mantém uma disciplina de Metodologia de Ensino de Química via Telemática, para alunos de licenciatura de outras universidades. É um trabalho bastante sofisticado, no que diz respeito ao aproveitamento dos recursos de tecnologia e à preocupação com a formação de um profissional de educação. O cuidado com a mediação da interação à distância é um dos pontos chaves para bons resultados, tanto quando as mídias bacanas e a tecnologia compatível.
Esse é um exemplo, entre outros (pouco numerosos) de proposições já em curso de EAD na USP.
Para compensar, a Folha publicou hoje um editorial bastante elogioso à proposta, o que é um alento, em meio a tantos artigos disparatados que encontramos por aí quando o tema é EAD.

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