Crises que renovam, crises que paralisam
Nada como um dia após o outro, como uma leitura após a outra, como um comentário após o outro para digerirmos um discurso que incomodou, mas que não temos claro exatamente por que e o que diriamos se fossemos refutá-lo.
O debate sobre a Universidade no Brasil e no mundo hoje tem sido intenso, sobre seu papel, seus objetivos, sua relação com as demandas da sociedade, sua respostas às expectativas do mercado, do Estado, os limites de sua autonomia.Debater é um exercício fundamental, principalmente quando isso é marcado pela reflexão e pela crítica, como lembrava Marilena Chauí naquele denso ato em repúdio à ação policial na USP. Não bastam palavras de ordens esvaziadas, lembrava Chauí. O debate servirá se nos ajudar a compreender e a propor posicionamentos e novos caminhos.
Li e gostei muito do artigo do professor Naomar de Almeida Filho, reitor da Universidade da Bahia, publicado nesse domingo na Folha de S. Paulo, de nome "Cinco teses sobre a crise...".
De forma abreviada e muito didática, ele apresenta o olhar crítico de Bourdieu, apontando a Universidade como dispositivo do Estado para a reprodução social; o enlevo de Anísio Teixeira com o potencial transformador da educação compromissada com a emancipação política e equidade social; a sagacidade de Boaventura Santos, que evoca a urgência de um olhar aberto à diversidade e ao dinamismo do conhecimento e questiona o teor da educação a ser promovida com o compromisso formação crítica e engajamento na transformação social; e o desafio de Milton Santos, que acreditava que cabia à Universidade ousar, ainda que os caminhos fossem incertos, apostando que o risco é um dos ingredientes que compõem a fórmula de tudo que é novo. Naomar completa propondo uma quinta abordagem, necessária nesse momento em que "já não basta recuperar tradições vazias e celebrar pactos micropolíticos". Ele fala de uma Universidade que reconheça seu papel de "provocar crises de transformação e renovação", em busca de uma Universidade que possa realmente oferecer a sociedade frutos genuínos de sua força criativa.
A lucidez e positividade do reitor da UFBA me ajudaram a entender o meu incômodo com o artigo "O mal-estar na Universidade" da professora Olgária Matos, publicado pela Agência Carta Maior, em 25/06. Não há dúvidas que estou de acordo com várias de suas afirmações, relacionadas ao encurtamento do espaço do diálogo e do fortalecimento de uma voz de comando que faz uso do discurso da ordem e da lei para suprimir qualquer debate que questione o viés da Universidade que atenda ao paradigma de eficiência (do mercado). Tampouco questiono suas preocupações com a proletarização dos docentes, a cada dia mais pressionados por um cotidiano profissional que envolve os cursos e o atendimento a um número expressivo de alunos, orientações de iniciação científica, mestrado e doutorado, participação em bancas, participação em comissões, projetos temáticos variados, participação em Congressos, recepção de professores do exterior, produção e publicação de artigos científicos. Isso sem falar nas provas e trabalhos a serem lidos, corrigidos e comentados, além dos trabalhos de conclusão de curso, a cada dia mais frequentes.
O texto me incomoda pelo tom. Olgária fala de um "ócio necessário" à "produção acadêmica", mas não se trata de ócio e sim de tempo. Tempo é necessário, pois não há pesquisa sem leitura, não há reflexão nem texto sem maturação de idéias. Há no texto uma nostalgia de um intelectual que se esvai em nossa cultura, e a sensação que fica é a do desejo de uma situação congelada, um reviver da época em que estavam dadas as condições "quase" ideais para a pesquisa e a produção, um tempo que já se foi. O combate à educação a distância, da mesma forma, apóia-se, a meu ver, em palavras-chave, como massificação e "fim dos valores da convivência, da sociabilidade e da felicidade do conhecimento", que agregam muito pouco a qualquer reflexão sobre ousadias possíveis e práticas desafiadoras no contexto de um mundo que estamos vendo mudar.
Fico com Naomar, com as crises que renovam, mais do que com Olgária e as crises que paralisam.
O debate sobre a Universidade no Brasil e no mundo hoje tem sido intenso, sobre seu papel, seus objetivos, sua relação com as demandas da sociedade, sua respostas às expectativas do mercado, do Estado, os limites de sua autonomia.Debater é um exercício fundamental, principalmente quando isso é marcado pela reflexão e pela crítica, como lembrava Marilena Chauí naquele denso ato em repúdio à ação policial na USP. Não bastam palavras de ordens esvaziadas, lembrava Chauí. O debate servirá se nos ajudar a compreender e a propor posicionamentos e novos caminhos.
Li e gostei muito do artigo do professor Naomar de Almeida Filho, reitor da Universidade da Bahia, publicado nesse domingo na Folha de S. Paulo, de nome "Cinco teses sobre a crise...".
De forma abreviada e muito didática, ele apresenta o olhar crítico de Bourdieu, apontando a Universidade como dispositivo do Estado para a reprodução social; o enlevo de Anísio Teixeira com o potencial transformador da educação compromissada com a emancipação política e equidade social; a sagacidade de Boaventura Santos, que evoca a urgência de um olhar aberto à diversidade e ao dinamismo do conhecimento e questiona o teor da educação a ser promovida com o compromisso formação crítica e engajamento na transformação social; e o desafio de Milton Santos, que acreditava que cabia à Universidade ousar, ainda que os caminhos fossem incertos, apostando que o risco é um dos ingredientes que compõem a fórmula de tudo que é novo. Naomar completa propondo uma quinta abordagem, necessária nesse momento em que "já não basta recuperar tradições vazias e celebrar pactos micropolíticos". Ele fala de uma Universidade que reconheça seu papel de "provocar crises de transformação e renovação", em busca de uma Universidade que possa realmente oferecer a sociedade frutos genuínos de sua força criativa.
A lucidez e positividade do reitor da UFBA me ajudaram a entender o meu incômodo com o artigo "O mal-estar na Universidade" da professora Olgária Matos, publicado pela Agência Carta Maior, em 25/06. Não há dúvidas que estou de acordo com várias de suas afirmações, relacionadas ao encurtamento do espaço do diálogo e do fortalecimento de uma voz de comando que faz uso do discurso da ordem e da lei para suprimir qualquer debate que questione o viés da Universidade que atenda ao paradigma de eficiência (do mercado). Tampouco questiono suas preocupações com a proletarização dos docentes, a cada dia mais pressionados por um cotidiano profissional que envolve os cursos e o atendimento a um número expressivo de alunos, orientações de iniciação científica, mestrado e doutorado, participação em bancas, participação em comissões, projetos temáticos variados, participação em Congressos, recepção de professores do exterior, produção e publicação de artigos científicos. Isso sem falar nas provas e trabalhos a serem lidos, corrigidos e comentados, além dos trabalhos de conclusão de curso, a cada dia mais frequentes.
O texto me incomoda pelo tom. Olgária fala de um "ócio necessário" à "produção acadêmica", mas não se trata de ócio e sim de tempo. Tempo é necessário, pois não há pesquisa sem leitura, não há reflexão nem texto sem maturação de idéias. Há no texto uma nostalgia de um intelectual que se esvai em nossa cultura, e a sensação que fica é a do desejo de uma situação congelada, um reviver da época em que estavam dadas as condições "quase" ideais para a pesquisa e a produção, um tempo que já se foi. O combate à educação a distância, da mesma forma, apóia-se, a meu ver, em palavras-chave, como massificação e "fim dos valores da convivência, da sociabilidade e da felicidade do conhecimento", que agregam muito pouco a qualquer reflexão sobre ousadias possíveis e práticas desafiadoras no contexto de um mundo que estamos vendo mudar.
Fico com Naomar, com as crises que renovam, mais do que com Olgária e as crises que paralisam.
Etiquetas: crises, ead, universidade, univesp