As mídias e a multiplicação de sua própria voz
Bom artigo do Abdo, contribui para discussões importantes que tem rolado recentemente sobre a consciência que está emergindo sobre a importância da voz de blogueiros de nichos específicos para multiplicar algumas iniciativas de marketing político e/ou mercadológico.
À caça de tendências
ALEXANDRE HANNUD ABDO
Folha de S. Paulo, 26/07/2009
Foi quase por acaso. Mais precisamente por uma carta ousada a um
ilustre desconhecido e um amigo russo conquistado de última hora, em
2006 estava eu na Universidade Cornell [EUA], ouvindo cientistas
sociais ao lado de cientistas da computação e economistas, reunidos
por uma semana para sambarem cada um ao seu ritmo, mas todos numa nota
só: a influência exercida por meio da estrutura de nossas relações
sociais.
Não era nenhum acaso, contudo, que todos esses colegas estivessem
sendo assediados por companhias como Google, Yahoo!, Amazon e
Microsoft, que já detêm o maior registro de relações sociais da
história em bancos de dados dos serviços que oferecem.
À época, eu trabalhava em Nova York com Duncan Watts, ex-aluno da
Cornell e professor da Universidade Columbia. Duncan hoje chefia um
grupo de pesquisa dentro da Yahoo! Research, braço científico da
empresa homônima.
Quem arranjou para que eu participasse desse seminário, junto com
Duncan, foi o tal amigo russo, Gueorgi Kossinets, ex-aluno daquele e
então pós-doutor na Cornell, hoje trabalhando no quartel-general da
Google Inc.
Mas o que querem esses gigantes corporativos e seus cientistas
multidisciplinares calcular de nossos e-mails, nossas compras, nossas
buscas na internet?
O sucesso duradouro de "O Ponto da Virada" (ed. Sextante), do
jornalista Malcolm Gladwell, nos dá uma das respostas: querem achar
"os influenciadores". Nesse livro, apresenta-se uma tipologia dos
indivíduos segundo sua função e importância na difusão de uma
novidade, de um "meme". Este pode ser um hábito, uma atitude, uma
tendência de consumo ou uma opinião.
Segundo o livro, alguns indivíduos seriam especiais, responsáveis por
definir o alcance das ideias, e sugere-se que, uma vez conquistadas
essas pessoas, as demais seguiriam por um efeito de avalanche.
O ponto crítico, o tal do "tipping point" [título original do livro],
seria o momento em que o último grão é colocado para iniciar a
avalanche, o último indivíduo necessário conquistar desse pequeno
grupo para mudar toda a sociedade.
A ideia de que grandes mudanças dependem de convencer poucas pessoas é
muito sedutora e desperta o interesse não só de empresas,
publicitários e partidos políticos como também de organizações
interessadas em difundir informação ou práticas de saúde e cidadania.
Desvendar os influenciadores seria a pedra filosofal da propaganda
boca a boca, uma expectativa que, aliada a nossa experiência diária
com vídeos de completos desconhecidos atingindo a fama pela internet,
cria uma euforia sobre o assunto.
Seis graus
O que Gladwell apresenta, no entanto, é um lado de um debate
científico de mais de meio século, que motivou a ida de Duncan Watts
ao Yahoo! para, com os recursos do portal, realizar experimentos e
análises que esclareçam seu ceticismo com relação à existência dos
tais influenciadores. Ele já propôs, sustentado em seus trabalhos
acadêmicos, que a teoria é pura retórica.
Duncan, doutor em física, mas antes marinheiro australiano, ficou
conhecido no meio acadêmico por surfar a crista da onda de interesse
das ciências exatas em problemas sociológicos, propelida pelo poder
analítico dos computadores modernos.
Entre o público em geral, seu livro "Six Degrees - Science of a
Connected Age" ["Seis Graus -A Ciência de uma Era Conectada"] fez
sucesso, e seus experimentos virtuais e sociais, dentre os quais uma
reprodução em escala ampliada pela internet dos famosos seis graus de
separação de Stanley Milgram, foram notícia e até viraram série
televisiva.
Curiosamente, seu interesse na questão dos influenciadores reflete o
ambiente que ocupava na Universidade Columbia, como professor do
departamento de sociologia que antes abrigou o Escritório de Pesquisa
Social, fundado e dirigido por Paul Lazarsfeld, onde nos anos 50
realizavam-se os primeiros estudos quantitativos sobre influência
social.
Austríaco e matemático de formação, Lazarsfeld contribuiu
decisivamente para a metodologia da sociologia estadunidense. Foi um
estudioso da comunicação e coordenou pioneiras pesquisas de campo
sobre a relação entre mídia de massa e população.
Formulou o modelo de fluxo da comunicação em duas etapas, segundo o
qual ideias e opiniões não fluem diretamente da mídia para o cidadão,
mas apenas para um grupo mais educado e interessado, que por sua vez
transmite-as para a população geral por meio de contatos pessoais.
Lazarsfeld chamou esses grupos (no plural, pois a cada campo de
influência correspondem grupos diferentes) "líderes de opinião" e
destilou suas qualidades e relações com os demais atores.
Quem lê seus trabalhos vê expressões como "líderes de moda", "líderes
de política", "líderes de cinema", e a comparação com a teoria dos
influenciadores torna-se imediata.
Porém o que Lazarsfeld fez foi mapear cada rede de influências e
destacar um grupo por sua posição nessa rede com relação à dinâmica
específica da passagem de influência da mídia para a população.
Deixando-se de lado a atualidade da teoria, permanece a questão: como
o indivíduo se relaciona com suas influências e quais canais são
relevantes na sua dinâmica? Essa pergunta foi então abordada
frontalmente ao final daquela década por Everett Rogers.
A ideia de que grandes mudanças dependem de convencer poucas pessoas é sedutora
Pioneiros da difusão
Estudando casos diversos de difusão de inovações tecnológicas, médicas
e sociais, Rogers notou similaridades entre eles, particularmente nas
taxas de adoção. A distribuição no tempo da conversão de indivíduos,
ao final do processo, era sempre uma curva gaussiana (com a forma de
um sino), com poucas adesões no início, um crescimento muito rápido no
meio período e que desacelerava apenas nos últimos inovadores.
Para estudar essa curva, Rogers dividiu-a segundo os desvios
estatísticos padrões e, aos indivíduos incluídos no primeiro trecho,
aqueles que mais cedo adotaram a novidade, chamou de adeptos pioneiros
("early adopters", termo hoje popularizado pela constante renovação
dos produtos tecnológicos).
Com divisões como essa, construiu uma teoria detalhada e, referindo-se
a Lazarsfeld, pôde verificar nesse grupo de adeptos pioneiros a
condição de líderes de opinião com relação à inovação respectiva.
Contudo, o trabalho de Rogers analisa a distribuição apenas após
completado o ciclo de inovação, limitando-se a uma análise
retrospectiva de inovações bem-sucedidas, e somente com uma descrição
da evolução coletiva. Esses fatores impedem-no de inferir sobre
detalhes da difusão e da dinâmica de influências.
Ainda assim, o crescimento súbito que a distribuição aponta para o
total de adeptos levou Rogers a concluir, amparado em análises
qualitativas, que o mecanismo individual de influência precisaria
produzir esse fenômeno de massa crítica em que, superado um certo
número de indivíduos carregando a influência, ela passa a espalhar-se
rapidamente. Eis o ponto crítico apresentado por Gladwell.
As bases psicológicas para o modelo que irá reproduzir essas
qualidades coletivas surgem mais cedo nos anos 1950, em uma série de
experimentos conduzidos pelo psicólogo Solomon Asch. No mais icônico
deles, um grupo de oito alunos foi interrogado sobre qual de três
linhas tinha o mesmo comprimento de uma quarta.
A resposta era óbvia, contudo sete dos alunos foram instruídos a darem
a mesma resposta errada, e verificou-se que o oitavo escolhia seguir o
grupo em 37,1% das vezes. Asch também observou que, ao diminuir a
fração dos colegas dando a resposta errada, o efeito enfraquecia
rapidamente, mas não mudava se o número de colegas fosse alterado
mantendo a fração constante.
Apesar de bem definidas as bases no início dos anos 1960, essas ideias
só seriam sintetizadas em modelos matemáticos, chamados modelos
limiares, nos anos 1970, com a maior facilidade de cientistas sociais
e economistas nos EUA acessarem computadores.
Massa crítica
Modelos limiares para difusão social, seguindo os experimentos de
Asch, definem a influência que um indivíduo sofre para adotar um
comportamento como a fração dos seus contatos sociais que já foram
convertidos. Além disso, determinam para cada indivíduo um limiar tal
que, se a influência o ultrapassa, este também adotará o dito
comportamento, podendo assim passá-lo adiante.
O resultado desses modelos é uma situação de massa crítica que,
dependendo dos limiares escolhidos, quando atingida conduz a uma taxa
de adesão gaussiana ao longo do tempo, como previsto por Rogers.
Mark Granovetter [professor da Universidade Stanford], reconhecido por
estabelecer a moderna sociologia econômica, foi um grande proponente
desses modelos, utilizando-os para melhor entender revoltas,
segregação urbana e a formação da opinião pública.
Mas, apesar de úteis, os computadores ainda eram limitados e não
permitiam incluir a estrutura das redes de relações nos modelos. Sem
estrutura, todos os atores têm posições equivalentes e perde o sentido
falar em influenciadores.
Mas eis que chegamos ao século 21 e à massificação da internet, ao
Escritório de Pesquisa Social transformado em Centro Paul F.
Lazarsfeld para Ciências Sociais e a Duncan Watts, que, na virada do
milênio, já havia contribuído decifrando alguns pontos-chave da
estrutura das redes de relações, pensando experimentos sociais e
virtuais que acabariam por contribuir a pontuar essa longa história.
O primeiro deles foi uma reprodução pela internet do experimento de
Milgram; os participantes eram sorteados para contactar um de 18
indivíduos espalhados por 13 países, sabendo dele o nome, a ocupação,
a escola frequentada e a cidade de residência. O contato deveria
dar-se apenas encaminhando mensagens aos seus amigos e conhecidos, que
deveriam fazer o mesmo.
Ao final, além de reproduzir os seis graus de separação com precisão e
detalhe muito maiores do que era possível antes, outro resultado
importante foi que pessoas muito conectadas eram inexpressivas nas
cadeias que chegaram a seu destino.
O segundo experimento, ou talvez mais uma medida, foi o mapeamento
completo das trocas de e-mail dentro de uma universidade ao longo de
um ano. Aqui também, olhada sob o microscópio a dinâmica detalhada das
trocas entre alunos e professores, concluiu-se que os indivíduos muito
ativos e conectados poderiam ser removidos da rede sem afetar as
propriedades fundamentais de conectividade dela.
Sociedade simulada
O terceiro experimento, puramente virtual, porém direto ao ponto, foi
a simulação da difusão de comportamentos em sociedades virtuais
regidas pelo modelo limiar. Dessa vez, além de reproduzir as
propriedades esperadas, pôde-se finalmente analisar o papel da
estrutura das relações sociais.
Partindo de redes com conexões escolhidas para imitar a sociedade,
cada simulação elegia aleatoriamente um indivíduo para iniciar a
difusão e observava a participação diferencial de tipos de indivíduos
ao longo do processo.
O modelo tem parâmetros para regular os limiares e a estrutura da
rede, e Duncan observou ali que, exceto por uma faixa muito estreita
dos parâmetros, a participação de indivíduos muito conectados era
indiferente ao sucesso da difusão. De fato, difusões iniciadas por
indivíduos comuns poderiam até ter maior chance de espalhar-se que as
iniciadas pelos muito conectados, ainda que estas por sua vez pudessem
atingir um grupo maior.
Esses resultados estimularam-no a publicar, com Jonah Peretti,
veterano de campanhas boca a boca pela internet, uma alternativa a
esse tipo de propaganda. Apelidada de "big seed marketing" [marketing
de grande semeadura] e com foco em pessoas comuns, ignorando
hipotéticos influenciadores, a ideia consiste em utilizar meios de
comunicação de massa para atrair um número grande de participantes
quaisquer e então incentivá-los a passar a mensagem adiante, o que a
internet torna muito barato.
As implementações dessa estratégia por Peretti geraram retornos
robustos de duas a quatro vezes a audiência inicial pela qual se pagou
-um bom negócio, ainda que distante da promessa de conquistar o mundo
com influenciadores.
Por fim, simulações realizadas em nosso trabalho conjunto, com modelos
de difusão mais complexos e múltiplos iniciadores simultâneos,
permitiram destacar algumas características importantes da interação
entre indivíduos e a mensagem sendo difundida, que ressaltam ou
afundam a viabilidade de estratégias baseadas em indivíduos
excepcionalmente conectados. Dentre elas, destaca-se o nível relativo
de envolvimento necessário na transmissão.
Esses indivíduos podem ser relevantes quando toma menos tempo
transmitir que receber influência, mas são gargalos para a difusão
quando custa mais transmitir e tornam-se indistintos quando os tempos
são próximos. Curiosamente, a primeira dessas alternativas é
geralmente aquela em que a mídia de massa faz um bom trabalho e a
estratégia de "big seed" será mais promissora, podendo estar os
influenciadores um tanto órfãos de aplicabilidade.
Assumidamente, simulações como essas não podem resolver debates sobre
a sociedade. Elas servem a questionar nossa intuição e explorar
possibilidades, apontando possíveis direções para estudos empíricos.
Mas, de todo esse trabalho, talvez fique uma lição simples das
ciências naturais. Sociedades, como os demais sistemas complexos, são
estruturas emergentes. Não dependem de grupos específicos que as
compõem, mas da composição não linear das interações entre todos os
seus elementos.
Suas transformações vêm de uma predisposição delas como um todo e, ao
observá-la em retrospecto, devemos cuidar que indivíduos que parecem
ter um papel especial em geral apenas jogaram na pilha o grão de areia
que faltava. Em particular, se nenhum de nós é especial, o bom exemplo
de cada um conta muito mais do que a percepção ingênua nos sugere.
ALEXANDRE HANNUD ABDO , 28, é cientista molecular pela USP, onde
conclui doutorado no Instituto de Física, em colaboração com o
departamento de sociologia da Universidade Columbia (EUA), sobre redes
complexas e dinâmica de influências sociais.
À caça de tendências
ALEXANDRE HANNUD ABDO
Folha de S. Paulo, 26/07/2009
Foi quase por acaso. Mais precisamente por uma carta ousada a um
ilustre desconhecido e um amigo russo conquistado de última hora, em
2006 estava eu na Universidade Cornell [EUA], ouvindo cientistas
sociais ao lado de cientistas da computação e economistas, reunidos
por uma semana para sambarem cada um ao seu ritmo, mas todos numa nota
só: a influência exercida por meio da estrutura de nossas relações
sociais.
Não era nenhum acaso, contudo, que todos esses colegas estivessem
sendo assediados por companhias como Google, Yahoo!, Amazon e
Microsoft, que já detêm o maior registro de relações sociais da
história em bancos de dados dos serviços que oferecem.
À época, eu trabalhava em Nova York com Duncan Watts, ex-aluno da
Cornell e professor da Universidade Columbia. Duncan hoje chefia um
grupo de pesquisa dentro da Yahoo! Research, braço científico da
empresa homônima.
Quem arranjou para que eu participasse desse seminário, junto com
Duncan, foi o tal amigo russo, Gueorgi Kossinets, ex-aluno daquele e
então pós-doutor na Cornell, hoje trabalhando no quartel-general da
Google Inc.
Mas o que querem esses gigantes corporativos e seus cientistas
multidisciplinares calcular de nossos e-mails, nossas compras, nossas
buscas na internet?
O sucesso duradouro de "O Ponto da Virada" (ed. Sextante), do
jornalista Malcolm Gladwell, nos dá uma das respostas: querem achar
"os influenciadores". Nesse livro, apresenta-se uma tipologia dos
indivíduos segundo sua função e importância na difusão de uma
novidade, de um "meme". Este pode ser um hábito, uma atitude, uma
tendência de consumo ou uma opinião.
Segundo o livro, alguns indivíduos seriam especiais, responsáveis por
definir o alcance das ideias, e sugere-se que, uma vez conquistadas
essas pessoas, as demais seguiriam por um efeito de avalanche.
O ponto crítico, o tal do "tipping point" [título original do livro],
seria o momento em que o último grão é colocado para iniciar a
avalanche, o último indivíduo necessário conquistar desse pequeno
grupo para mudar toda a sociedade.
A ideia de que grandes mudanças dependem de convencer poucas pessoas é
muito sedutora e desperta o interesse não só de empresas,
publicitários e partidos políticos como também de organizações
interessadas em difundir informação ou práticas de saúde e cidadania.
Desvendar os influenciadores seria a pedra filosofal da propaganda
boca a boca, uma expectativa que, aliada a nossa experiência diária
com vídeos de completos desconhecidos atingindo a fama pela internet,
cria uma euforia sobre o assunto.
Seis graus
O que Gladwell apresenta, no entanto, é um lado de um debate
científico de mais de meio século, que motivou a ida de Duncan Watts
ao Yahoo! para, com os recursos do portal, realizar experimentos e
análises que esclareçam seu ceticismo com relação à existência dos
tais influenciadores. Ele já propôs, sustentado em seus trabalhos
acadêmicos, que a teoria é pura retórica.
Duncan, doutor em física, mas antes marinheiro australiano, ficou
conhecido no meio acadêmico por surfar a crista da onda de interesse
das ciências exatas em problemas sociológicos, propelida pelo poder
analítico dos computadores modernos.
Entre o público em geral, seu livro "Six Degrees - Science of a
Connected Age" ["Seis Graus -A Ciência de uma Era Conectada"] fez
sucesso, e seus experimentos virtuais e sociais, dentre os quais uma
reprodução em escala ampliada pela internet dos famosos seis graus de
separação de Stanley Milgram, foram notícia e até viraram série
televisiva.
Curiosamente, seu interesse na questão dos influenciadores reflete o
ambiente que ocupava na Universidade Columbia, como professor do
departamento de sociologia que antes abrigou o Escritório de Pesquisa
Social, fundado e dirigido por Paul Lazarsfeld, onde nos anos 50
realizavam-se os primeiros estudos quantitativos sobre influência
social.
Austríaco e matemático de formação, Lazarsfeld contribuiu
decisivamente para a metodologia da sociologia estadunidense. Foi um
estudioso da comunicação e coordenou pioneiras pesquisas de campo
sobre a relação entre mídia de massa e população.
Formulou o modelo de fluxo da comunicação em duas etapas, segundo o
qual ideias e opiniões não fluem diretamente da mídia para o cidadão,
mas apenas para um grupo mais educado e interessado, que por sua vez
transmite-as para a população geral por meio de contatos pessoais.
Lazarsfeld chamou esses grupos (no plural, pois a cada campo de
influência correspondem grupos diferentes) "líderes de opinião" e
destilou suas qualidades e relações com os demais atores.
Quem lê seus trabalhos vê expressões como "líderes de moda", "líderes
de política", "líderes de cinema", e a comparação com a teoria dos
influenciadores torna-se imediata.
Porém o que Lazarsfeld fez foi mapear cada rede de influências e
destacar um grupo por sua posição nessa rede com relação à dinâmica
específica da passagem de influência da mídia para a população.
Deixando-se de lado a atualidade da teoria, permanece a questão: como
o indivíduo se relaciona com suas influências e quais canais são
relevantes na sua dinâmica? Essa pergunta foi então abordada
frontalmente ao final daquela década por Everett Rogers.
A ideia de que grandes mudanças dependem de convencer poucas pessoas é sedutora
Pioneiros da difusão
Estudando casos diversos de difusão de inovações tecnológicas, médicas
e sociais, Rogers notou similaridades entre eles, particularmente nas
taxas de adoção. A distribuição no tempo da conversão de indivíduos,
ao final do processo, era sempre uma curva gaussiana (com a forma de
um sino), com poucas adesões no início, um crescimento muito rápido no
meio período e que desacelerava apenas nos últimos inovadores.
Para estudar essa curva, Rogers dividiu-a segundo os desvios
estatísticos padrões e, aos indivíduos incluídos no primeiro trecho,
aqueles que mais cedo adotaram a novidade, chamou de adeptos pioneiros
("early adopters", termo hoje popularizado pela constante renovação
dos produtos tecnológicos).
Com divisões como essa, construiu uma teoria detalhada e, referindo-se
a Lazarsfeld, pôde verificar nesse grupo de adeptos pioneiros a
condição de líderes de opinião com relação à inovação respectiva.
Contudo, o trabalho de Rogers analisa a distribuição apenas após
completado o ciclo de inovação, limitando-se a uma análise
retrospectiva de inovações bem-sucedidas, e somente com uma descrição
da evolução coletiva. Esses fatores impedem-no de inferir sobre
detalhes da difusão e da dinâmica de influências.
Ainda assim, o crescimento súbito que a distribuição aponta para o
total de adeptos levou Rogers a concluir, amparado em análises
qualitativas, que o mecanismo individual de influência precisaria
produzir esse fenômeno de massa crítica em que, superado um certo
número de indivíduos carregando a influência, ela passa a espalhar-se
rapidamente. Eis o ponto crítico apresentado por Gladwell.
As bases psicológicas para o modelo que irá reproduzir essas
qualidades coletivas surgem mais cedo nos anos 1950, em uma série de
experimentos conduzidos pelo psicólogo Solomon Asch. No mais icônico
deles, um grupo de oito alunos foi interrogado sobre qual de três
linhas tinha o mesmo comprimento de uma quarta.
A resposta era óbvia, contudo sete dos alunos foram instruídos a darem
a mesma resposta errada, e verificou-se que o oitavo escolhia seguir o
grupo em 37,1% das vezes. Asch também observou que, ao diminuir a
fração dos colegas dando a resposta errada, o efeito enfraquecia
rapidamente, mas não mudava se o número de colegas fosse alterado
mantendo a fração constante.
Apesar de bem definidas as bases no início dos anos 1960, essas ideias
só seriam sintetizadas em modelos matemáticos, chamados modelos
limiares, nos anos 1970, com a maior facilidade de cientistas sociais
e economistas nos EUA acessarem computadores.
Massa crítica
Modelos limiares para difusão social, seguindo os experimentos de
Asch, definem a influência que um indivíduo sofre para adotar um
comportamento como a fração dos seus contatos sociais que já foram
convertidos. Além disso, determinam para cada indivíduo um limiar tal
que, se a influência o ultrapassa, este também adotará o dito
comportamento, podendo assim passá-lo adiante.
O resultado desses modelos é uma situação de massa crítica que,
dependendo dos limiares escolhidos, quando atingida conduz a uma taxa
de adesão gaussiana ao longo do tempo, como previsto por Rogers.
Mark Granovetter [professor da Universidade Stanford], reconhecido por
estabelecer a moderna sociologia econômica, foi um grande proponente
desses modelos, utilizando-os para melhor entender revoltas,
segregação urbana e a formação da opinião pública.
Mas, apesar de úteis, os computadores ainda eram limitados e não
permitiam incluir a estrutura das redes de relações nos modelos. Sem
estrutura, todos os atores têm posições equivalentes e perde o sentido
falar em influenciadores.
Mas eis que chegamos ao século 21 e à massificação da internet, ao
Escritório de Pesquisa Social transformado em Centro Paul F.
Lazarsfeld para Ciências Sociais e a Duncan Watts, que, na virada do
milênio, já havia contribuído decifrando alguns pontos-chave da
estrutura das redes de relações, pensando experimentos sociais e
virtuais que acabariam por contribuir a pontuar essa longa história.
O primeiro deles foi uma reprodução pela internet do experimento de
Milgram; os participantes eram sorteados para contactar um de 18
indivíduos espalhados por 13 países, sabendo dele o nome, a ocupação,
a escola frequentada e a cidade de residência. O contato deveria
dar-se apenas encaminhando mensagens aos seus amigos e conhecidos, que
deveriam fazer o mesmo.
Ao final, além de reproduzir os seis graus de separação com precisão e
detalhe muito maiores do que era possível antes, outro resultado
importante foi que pessoas muito conectadas eram inexpressivas nas
cadeias que chegaram a seu destino.
O segundo experimento, ou talvez mais uma medida, foi o mapeamento
completo das trocas de e-mail dentro de uma universidade ao longo de
um ano. Aqui também, olhada sob o microscópio a dinâmica detalhada das
trocas entre alunos e professores, concluiu-se que os indivíduos muito
ativos e conectados poderiam ser removidos da rede sem afetar as
propriedades fundamentais de conectividade dela.
Sociedade simulada
O terceiro experimento, puramente virtual, porém direto ao ponto, foi
a simulação da difusão de comportamentos em sociedades virtuais
regidas pelo modelo limiar. Dessa vez, além de reproduzir as
propriedades esperadas, pôde-se finalmente analisar o papel da
estrutura das relações sociais.
Partindo de redes com conexões escolhidas para imitar a sociedade,
cada simulação elegia aleatoriamente um indivíduo para iniciar a
difusão e observava a participação diferencial de tipos de indivíduos
ao longo do processo.
O modelo tem parâmetros para regular os limiares e a estrutura da
rede, e Duncan observou ali que, exceto por uma faixa muito estreita
dos parâmetros, a participação de indivíduos muito conectados era
indiferente ao sucesso da difusão. De fato, difusões iniciadas por
indivíduos comuns poderiam até ter maior chance de espalhar-se que as
iniciadas pelos muito conectados, ainda que estas por sua vez pudessem
atingir um grupo maior.
Esses resultados estimularam-no a publicar, com Jonah Peretti,
veterano de campanhas boca a boca pela internet, uma alternativa a
esse tipo de propaganda. Apelidada de "big seed marketing" [marketing
de grande semeadura] e com foco em pessoas comuns, ignorando
hipotéticos influenciadores, a ideia consiste em utilizar meios de
comunicação de massa para atrair um número grande de participantes
quaisquer e então incentivá-los a passar a mensagem adiante, o que a
internet torna muito barato.
As implementações dessa estratégia por Peretti geraram retornos
robustos de duas a quatro vezes a audiência inicial pela qual se pagou
-um bom negócio, ainda que distante da promessa de conquistar o mundo
com influenciadores.
Por fim, simulações realizadas em nosso trabalho conjunto, com modelos
de difusão mais complexos e múltiplos iniciadores simultâneos,
permitiram destacar algumas características importantes da interação
entre indivíduos e a mensagem sendo difundida, que ressaltam ou
afundam a viabilidade de estratégias baseadas em indivíduos
excepcionalmente conectados. Dentre elas, destaca-se o nível relativo
de envolvimento necessário na transmissão.
Esses indivíduos podem ser relevantes quando toma menos tempo
transmitir que receber influência, mas são gargalos para a difusão
quando custa mais transmitir e tornam-se indistintos quando os tempos
são próximos. Curiosamente, a primeira dessas alternativas é
geralmente aquela em que a mídia de massa faz um bom trabalho e a
estratégia de "big seed" será mais promissora, podendo estar os
influenciadores um tanto órfãos de aplicabilidade.
Assumidamente, simulações como essas não podem resolver debates sobre
a sociedade. Elas servem a questionar nossa intuição e explorar
possibilidades, apontando possíveis direções para estudos empíricos.
Mas, de todo esse trabalho, talvez fique uma lição simples das
ciências naturais. Sociedades, como os demais sistemas complexos, são
estruturas emergentes. Não dependem de grupos específicos que as
compõem, mas da composição não linear das interações entre todos os
seus elementos.
Suas transformações vêm de uma predisposição delas como um todo e, ao
observá-la em retrospecto, devemos cuidar que indivíduos que parecem
ter um papel especial em geral apenas jogaram na pilha o grão de areia
que faltava. Em particular, se nenhum de nós é especial, o bom exemplo
de cada um conta muito mais do que a percepção ingênua nos sugere.
ALEXANDRE HANNUD ABDO , 28, é cientista molecular pela USP, onde
conclui doutorado no Instituto de Física, em colaboração com o
departamento de sociologia da Universidade Columbia (EUA), sobre redes
complexas e dinâmica de influências sociais.